Tuesday, March 05, 2013

5 de março - Terça-feira da 3ª semana da quaresma - O sentido do jejum




Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo
(Sermo 43: PL 52,320.322)           (Séc.IV)

O que a oração pede, o jejum o alcança e a misericórdia o recebe
Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente.
O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.
Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si.
Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia; deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza.
Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração, jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.
Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo; imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como ensina o Profeta: Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não despreza um coração arrependido e humilhado (cf. Sl 50,19).
Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.
Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia.
Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.

Reflexão pessoal

Qual o sentido do jejum se não é acompanhado pela oração e a misericórdia?

Sunday, March 03, 2013

4 de março - Segunda-feira da 3ª semana da quaresma - Gloriar-se no Senhor




Das Homilias de São Basílio Magno, bispo
(Hom. 20, De humilitate, 3: PG31,530-531)          (Séc.IV)

Quem se gloria, glorie-se no Senhor
Não se glorie o sábio de seu saber, não se glorie o forte de sua força, nem o rico de suas riquezas (Jr 9,22).
Qual é então o verdadeiro motivo de glória e em que consiste a grandeza do homem? Quem se gloria – diz a Escritura – glorie-se nisto: em conhecer e compreender que eu sou do Senhor (Jr 9,23).
A nobreza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem em saber onde está a verdadeira grandeza, aderir a ela e buscar a glória que procede do Senhor da glória. Diz efetivamente o Apóstolo: Quem se gloria, glorie-se no Senhor. Estas palavras encontram-se na seguinte passagem: Cristo se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,31).
Por conseguinte, é perfeito e legítimo nos gloriarmos no Senhor quando, longe de orgulhar-nos de nossa própria justiça, reconhecemos que estamos realmente destituídos dela e só pela fé em Cristo somos justificados.
É nisto que Paulo se gloria: desprezando sua própria justiça, busca apenas a que vem por meio de Cristo, ou seja, a que se obtém pela fé e procede de Deus; para assim conhecer a Cristo, o poder de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, configurando-se à sua morte, na esperança de alcançar a ressurreição dos mortos.
Aqui desaparece todo e qualquer orgulho. Nada te resta para que te possas gloriar, ó homem, pois tua única glória e esperança está em fazeres morrer tudo que é teu e procurares a vida futura em Cristo. E como possuímos as primícias desta vida, já a iniciamos desde agora, uma vez que vivemos inteiramente na graça e no dom de Deus.
É certamente Deus quem realiza em nós tanto o querer como o fazer, conforme o seu desígnio benevolente (Fl 2,13). E é ainda Deus que pelo seu Espírito nos revela a sabedoria que, de antemão, destinou para nossa glória.
Deus nos concede força e resistência em nossos trabalhos. Tenho trabalhado mais do que os outros – diz também Paulo – não propriamente eu, mas a graça de Deus comigo (1Cor 15,10).
Deus nos livra dos perigos para além de toda esperança humana. Experimentamos, em nós mesmos, – diz ainda o Apóstolo – a angústia de estarmos condenados à morte. Assim, aprendemos a não confiar em nós mesmos, mas a confiar somente em Deus que ressuscita os mortos. Ele nos livrou, e continuará a livrar-nos, de um tão grande perigo de morte. Nele temos firme esperança de que nos livrará ainda, em outras ocasiões (2Cor 1,9-10).

Reflexão pessoal

Em que consiste a grandeza do homem?
Pergunta inquietante quando olhamos para o quadro do nosso mundo. É que algumas vezes podemos confundir a grandeza com o orgulho e com o poder…
A maior grandeza do homem advém-lhe de ser criatura, não uma ciratura como tantas outras mas criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso a verdadeira grandeza do homem está em Deus, seu criador. É ele, que na sua grandeza, nos criou plenos de diginidade, à sua imagem e semelhança.
Por isso, como nosa diz S. Paulo, “quem se gloria, glorie-se no Senhor”.

Saturday, March 02, 2013

3 de março - 3º domingo da quaresma - À procura da água viva




Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract.15,10-12.16-17:CCL 36,154-156)   (Séc.V)

Veio uma mulher da Samaria para tirar água
Veio uma mulher. Esta mulher é figura da Igreja, ainda não justificada, mas já a caminho da justificação. É disso que iremos tratar.
A mulher veio sem saber o que ali a esperava; encontrou Jesus, e Jesus dirigiu-lhe a palavra.
Vejamos o fato e a razão por que veio uma mulher da Samaria para tirar água (Jo 4,7). Os samaritanos não pertenciam ao povo judeu; não eram do povo escolhido. Faz parte do simbolismo da narração que esta mulher, figura da Igreja, tenha vindo de um povo estrangeiro; porque a Igreja viria dos pagãos, dos que não pertenciam à raça judaica.
Ouçamos, portanto, a nós mesmos nas palavras desta mulher, reconheçamo-nos nela e nela demos graças a Deus por nós. Ela era uma figura, não a realidade; começou por ser figura, e tornou-se realidade. Pois acreditou naquele que queria torná-la uma figura de nós mesmos. Veio para tirar água. Viera simplesmente para tirar água, como costumam fazer os homens e as mulheres.
Jesus lhe disse: “Dá-me de beber”. Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos.
A mulher samaritana disse então a Jesus: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” De fato os judeus não se dão com os samaritanos (Jo 4,7-9.)
Estais vendo que são estrangeiros. Os judeus de modo algum se serviam dos cântaros dos samaritanos. Como a mulher trazia consigo um cântaro para tirar água, admirou-se que um judeu lhe pedisse de beber, pois os judeus não costumavam fazer isso. Mas aquele que pedia de beber tinha sede da fé daquela mulher.
Escuta agora quem pede de beber. Respondeu-lhe Jesus? “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva (Jo 4,10).
Pede de beber e promete dar de beber. Apresenta-se como necessitado que espera receber, mas possui em abundância para saciar os outros. Se tu conhecesses o dom de Deus, diz ele. O dom de Deus é o Espírito Santo. Jesus fala ainda veladamente à mulher, mas pouco a pouco entra em seu coração, e vai lhe ensinando. Que haverá de mais suave e bondoso que esta exortação? Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.
Que água lhe daria ele, senão aquela da qual está escrito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 35,10). Pois como podem ter sede os que vêm saciar-se na abundância de vossa morada? (Sl 35,9).
O Senhor prometia à mulher um alimento forte, prometia saciá-la com o Espírito Santo. Mas ela ainda não compreendia. E, na sua incompreensão, que respondeu? Disse-lhe então a mulher: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la” (Jo 4,15). A necessidade a obrigava a trabalhar, mas sua fraqueza recusava o trabalho.
Se ao menos ela tivesse ouvido aquelas palavras: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos e eu vos darei descanso! (Mt 11,28). Jesus dizia-lhe tudo aquilo para que não se cansasse mais; ela, porém, ainda não compreendia.

Reflexão pessoal

Muitos há como a samaritana que procuram uma água que preencha a sua sede de vida, a sua sede de salvação. Jesus apresenta-se como aquele que é capaz de lhe dar essa mesma água que ela tanto anseia. Jesus entra em diálogo com esta mulher quebrando muitos costumes e preconceitos, só assim conseguiu se aproximar e desvendar a sede desta mulher.
Uma bela parábola para os nossos tempos atuais. Quantos e quantas “samaritanas” anseiam por uma água diferente mas muitas vezes, devido a preconceitos e medos, somos incapazes de nos aproximarmos. Esta é uma das missões da Igreja, de qualquer um dos cristãos que encontrou em Jesus a sua água viva. 

2 de março - Sábado da 2ª semana da quaresma - À procura de Deus




Do Tratado sobre a fuga do mundo, de Santo Ambrósio, bispo
(Cap.6,36; 7,44: 8,45;9,52:CSEL32,192.198-199.204)         (Séc.IV)

Busquemos a Deus, único bem verdadeiro
Onde está o coração do homem está também o seu tesouro; pois Deus não costuma negar o bem aos que lhe pedem.
Porque o Senhor é bom, e é bom sobretudo para os que nele esperam, unamo-nos a ele, permaneçamos com ele de toda a nossa alma, de todo o coração e de todas as forças, para vivermos na sua luz, vermos a sua glória e gozarmos da graça da felicidade eterna.
Elevemos nossos corações para esse bem, permaneçamos e vivamos unidos a ele, que está acima de tudo quanto possamos pensar ou imaginar; e concede a paz e a tranquilidade perpétuas, uma paz que ultrapassa toda a nossa compreensão e sentimento.
É esse o bem que tudo penetra; todos vivemos nele e dele dependemos; nada lhe é superior, porque é divino. Só Deus é bom e, portanto, o que é bom é divino e o que é divino é bom; por isso se diz no salmo: Vós abris a mão e todos se fartam de bens (Sl 103,28). É, com efeito, da bondade de Deus que nos vêm todos os bens, sem nenhuma mistura de mal.
Esses bens são os que a Escritura promete aos fiéis, dizendo: Comereis dos bens da terra (Is 1,19).
Nós morremos com Cristo e trazemos em nosso corpo a morte de Cristo, para que também a vida de Cristo se manifeste em nós. Portanto, já não é a nossa própria vida que vivemos, mas a vida de Cristo: vida de inocência, vida de castidade, vida de sinceridade e de todas as virtudes. Também ressuscitamos com Cristo; vivamos, pois, unidos a ele, subamos com ele, a fim de que a serpente não possa encontrar na terra o nosso calcanhar e feri-lo.
Fujamos daqui. Podes fugir com o espírito, embora permaneças com o corpo; podes ficar aqui e estar ao mesmo tempo junto do Senhor, se teu coração estiver unido a ele, se teus pensamentos se fixarem nele, se percorreres seus caminhos, guiado pela fé e não pelas aparências, se te refugiares junto dele – que é nosso refúgio e nossa força, como disse Davi: Eu procuro meu refúgio em vós, Senhor, que eu não seja envergonhado para sempre (Sl 70,1).
Já que Deus é o nosso refúgio, e Deus está nos céus e no mais alto dos céus, é preciso fugir daqui para as alturas onde reina a paz, onde repousaremos de nossas fadigas, onde celebraremos o banquete do grande sábado, como disse Moisés: O repouso sabático da terra será para vós ocasião de festim (Lv 25,6). Descansar em Deus e contemplar as suas delícias é, na verdade, um banquete, cheio de alegria e felicidade.
Fujamos, como os cervos, para as fontes das águas. Que a nossa alma sinta a mesma sede de Davi. Qual é esta fonte? Escuta o que ele diz: Em vós está a fonte da vida (Sl 35,10).
Diga minha alma a esta fonte: Quando terei a alegria de ver a face de Deus? (Sl 41,3).
Porque a fonte é o próprio Deus.

Reflexão pessoal

A nossa vida é uma constante procura. Procura do bem, da felicidade. Quem senão Deus poderá preencher esta ânsia de felicidade?

Friday, March 01, 2013

1 de março - Sexta-feira da 2ª semana da quaresma - A Aliança do Senhor




Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 4,16,2-5:SCh100,564-572)  (Séc.II)

A aliança do Senhor
No Deuteronómio, Moisés disse o seguinte ao povo: O Senhor teu Deus firmou uma aliança no Horeb. Não foi com vossos pais que o Senhor firmou esta aliança, mas convosco (Dt 5,2-3).
Por que não firmou a aliança com seus pais? Porque a lei não foi feita para o justo (1Tm1,9).
Ora, seus pais eram justos; tinham o conteúdo do Decálogo gravado em seus corações e em suas almas, pois amavam a Deus que os criara e abstinham-se de toda injustiça para com o próximo. Não precisavam da advertência de uma lei escrita, porque tinham em si mesmos a justiça da Lei.
Mas, quando essa justiça e esse amor para com Deus caíram no esquecimento e se extinguiram no Egito, tornou-se necessário que Deus, em sua grande bondade para com os homens, se manifestasse de viva voz.
Com seu poder fez sair seu povo do Egito, para que o homem voltasse a ser discípulo e seguidor de Deus; e castigou os desobedientes, a fim de que o povo não desprezasse o seu Criador.
Alimentou-o como maná, para que recebesse um alimento espiritual, conforme disse também Moisés no Deuteronómio: Ele te alimentou com o maná, que nem tu nem teus pais conheciam, para te mostrar que nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor (Dt 8,3).
Deu ainda o mandamento do amor de Deus, e ensinou a justiça para com o próximo, a fim de que o homem não fosse injusto nem indigno de Deus. Assim, por meio do Decálogo, Deus preparava o homem para a sua amizade e para a concórdia com o próximo. Era o homem que tirava proveito de tudo isso, uma vez que Deus não tinha nenhuma necessidade do homem.
Efetivamente, tudo isso contribuía para a glória do homem, dando o que lhe faltava, isto é, a amizade de Deus. Porém, isto nada acrescentava a Deus, pois ele não tinha necessidade do amor do homem.
O homem é que precisava da glória de Deus, a qual de modo algum poderia obter senão servindo a Deus. Por isso, Moisés lhe disse de novo: Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes, amando ao Senhor teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele – pois é a tua vida e prolonga os teus dias (Dt 30,19-20).
A fim de preparar o homem para esta vida, o Senhor proclamou por si mesmo as palavras do Decálogo, para todos sem exceção; por isso elas não foram abolidas por ocasião da sua vinda segundo a carne, mas permanecem em vigor entre nós, desenvolvidas e amplificadas.
Quanto aos preceitos próprios da servidão, Deus prescreveu-os separadamente ao povo, por intermédio de Moisés, adaptados à sua educação e formação, conforme disse o próprio Moisés: Naquele tempo, vos ensinei leis e decretos conforme o Senhor Deus me ordenou (cf. Dt 4,5).
Por isso, os preceitos, que implicavam a servidão e tinham o caráter de sinais, foram abolidos pelo Senhor na Nova Aliança da liberdade. Mas os preceitos naturais, que convêm a homens livres e são comuns a todos, foram completados e aperfeiçoados, concedendo generosamente aos homens o dom de conhecer a Deus como Pai adotivo, amá-lo de todo o coração e seguir seu Verbo sem se desviarem.

Reflexão pessoal

Deus acompanhou ao longo da história o caminho do Povo de Deus e firmou connosco uma Aliança através do Decálogo.
Somos este povo da Aliança que, em cada dia e a cada passo, procura corresponder ao grande amor que Ele nutre por nós. Esse amor, manifestado de uma forma excelente e perfeita, quando nos envia o seu próprio Filho, firmando connosco a Nova Aliança da liberdade, pela qual fomos constituídos seus filhos adoptivos.