Thursday, February 28, 2013

28 de fevereiro - Quinta-feira da 2ª semana da quaresma - O verdadeiro temor do Senhor


Dos Tratados sobre os Salmos, de Santo Hilário, bispo
(Ps 127,1-3:CSEL 24,628-630) (Séc.IV)

O verdadeiro temor do Senhor
Feliz és tu se temes o Senhor e trilhas seus caminhos (Sl 127,1). Todas as vezes que na Escritura se fala do temor do Senhor, nunca se fala isoladamente, como se ele bastasse para a perfeição da nossa fé; mas vem sempre acompanhado de muitas outras virtudes que nos ajudam a compreender sua natureza e perfeição. Assim aprendemos desta palavra que disse Salomão no livro dos Provérbios: Se suplicares a inteligência e pedires em voz alta a prudência; se andares à sua procura como ao dinheiro, e te lançares no seu encalço como a um tesouro, então compreenderás o temor do Senhor (Pr 2,3-5).
Vemos assim quantos degraus é necessário subir para chegar ao temor do Senhor.
Em primeiro lugar, devemos suplicar a inteligência, pedir a prudência, procurá-la como ao dinheiro e nos lançarmos ao seu encalço como a um tesouro. Então chegaremos a compreender o temor do Senhor.
Porque o temor, na opinião comum dos homens, tem outro sentido. É a perturbação que experimenta a fraqueza humana quando receia sofrer o que não quer que lhe aconteça. Este género de temor manifesta-se em nós pelo remorso do pecado, pela autoridade do mais
poderoso ou a violência do mais forte, por alguma doença, pelo encontro com um animal feroz
e pela ameaça de qualquer mal.
Esse temor, por conseguinte, não precisa ser ensinado, porque deriva espontaneamente de nossa fraqueza natural. Não aprendemos o que se deve temer, mas são as próprias coisas temíveis que nos incutem o terror.
Pelo contrário, sobre o temor de Deus, assim está escrito: Meus filhos, vinde agora e escutai- me: vou ensinar-vos o temor do Senhor Deus (Sl 33,12). Portanto, se o temor do Senhor é ensinado, deve-se aprender. Não nasce do nosso receio natural, mas do cumprimento dos mandamentos, das obras de uma vida pura e do conhecimento da verdade.
Para nós, todo o temor do Senhor está contido no amor, e a caridade perfeita expulsa o temor. O nosso amor a Deus leva-nos a seguir os seus conselhos, a cumprir os seus mandamentos e a
confiar em suas promessas. Ouçamos o que diz a Escritura: E agora, Israel, o que é que o Senhor teu Deus te pede? Apenas que o temas e andes em seus caminhos; que ames e guardes os mandamentos do Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma, para que sejas feliz (Dt 10,12-13).
Ora, os caminhos do Senhor são muitos, embora ele próprio seja o Caminho. Pois, ele chama-se a si mesmo caminho, e mostra a razão porque fala assim: Ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo 14,6).
Devemos, portanto, examinar e avaliar muitos caminhos, para encontrarmos, por entre os ensinamentos de muitos, o único caminho certo, o único que nos conduz à vida eterna. Há caminhos na Lei, caminhos nos profetas, caminhos nos evangelhos e nos apóstolos, caminhos
nas diversas obras dos mestres. Felizes os que andam por eles, movidos pelo temor do Senhor.

Wednesday, February 27, 2013

27 de fevereiro - Quarta-feira da 2ª semana da quaresma - Mediações para Deus




Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 4,14,2-3;15,1:SCh 100,542.548)        (Séc.II)

Através de figuras, Israel aprendia a temer a Deus e a perseverar em seu serviço
Desde o princípio Deus criou o homem para lhe comunicar seus dons; escolheu os patriarcas, para lhes dar a salvação; ia formando um povo, para ensinar os ignorantes a seguir a Deus; preparava os profetas, para acostumar os homens a serem morada do Espírito e a viverem em comunhão com Deus. Ele, que não precisava de nada, oferecia a comunhão aos que dele precisavam. Para os que lhe eram agradáveis, desenhava, qual um arquiteto, o edifício da salvação; aos que nada viam no Egito, ele mesmo servia de guia; aos que andavam errantes no deserto, dava uma lei perfeita; aos que entravam na terra prometida, concedia uma herança; enfim, para os que voltavam à casa do Pai, matava o vitelo gordo e dava a melhor roupa. Assim, de muitas maneiras, Deus ia preparando o género humano em vista da salvação futura.
Eis por que João diz no Apocalipse: Sua voz era como o fragor de muitas águas (Ap 1,15). Na verdade, são muitas as águas do Espírito de Deus, porque é muita a riqueza e grandeza do Pai.
E, passando através de todas elas, o Verbo concedia generosamente o seu auxílio a quantos lhe estavam submetidos, prescrevendo uma lei adaptada e adequada a cada criatura.
Deste modo, dava ao povo as leis relativas à construção do tabernáculo, à edificação do templo, à escolha dos levitas, aos sacrifícios e oblações, às purificações e a todo o restante do serviço do altar.
Deus não precisava de nada disso, pois é desde sempre rico de todos os bens, e contém em si mesmo a suavidade de todos os aromas e de todos os perfumes, mesmo antes de Moisés existir.
Mas educava um povo sempre inclinado a voltar aos ídolos, dispondo-o, através de muitas etapas, a perseverar no serviço de Deus. Por meio das coisas secundárias chamava-o às principais, isto é, pelas figuras à realidade, pelas temporais, às eternas, pelas carnais, às espirituais, pelas terenas, às celestes, tal como foi dito a Moisés: Farás tudo segundo o modelo das coisas que viste na montanha (Ex 25,40).
Durante quarenta dias, com efeito, Moisés aprendeu a guardar as palavras de Deus, os sinais celestes, as imagens espirituais e as figuras das coisas futuras. Paulo também disse: Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava – e esse rochedo era Cristo (1Cor 10,4). E acrescenta ainda, depois de ter falado dos acontecimentos referidos na Lei: Estas coisas lhes aconteciam em figura e foram escritas para nos admoestar e instruir, a nós que já chegamos ao fim dos tempos (1Cor 10,11).
Por meio dessas figuras, portanto, eles aprendiam a temer a Deus e a perseverar em seu serviço.
E assim a Lei era para eles, ao mesmo tempo, norma de vida e profecia das realidades futuras.

Reflexão pessoal

Ao longo da história, Deus se manifestou ao ser humano de muitas formas, através de acontecimentos e pessoas. Essas figuras são mediações que nos conduzem aquilo que é essencial: a nossa comunhão com Deus.
O tempo de quaresma apresenta-se como um tempo privilegiado de mediação para nos aproximarmos de Deus e reforçar a nossa fé.
Saibamos encontrar nos sacramentos, na oração pessoal e na leitura da Palavra de Deus, o caminho do nosso crescimento espiritual e de uma maior e mais perfeita comunhão com Deus.

26 de fevereiro - Terça-feira da 2ª semana da quaresma


Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo
(Ps 140,4-6:CCL 40,2028-2029)   (Séc.V)

A paixão de todo o corpo de Cristo
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora (Sl 140,1). Isto todos nós podemos dizer.
Não sou eu que digo, é o Cristo total que diz. Contudo, estas palavras foram ditas especialmente em nome do Corpo, porque, quando Cristo estava neste mundo, orou como homem; orou ao Pai em nome do Corpo; e enquanto orava, gotas de sangue caíram de todo o seu corpo. Assim está escrito no Evangelho: Jesus rezava com mais insistência e seu suor tornou-se como gotas de sangue (Lc 22,44). Que significa este derramamento de sangue de todo o seu corpo, senão a paixão dos mártires de toda a Igreja?
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora. Quando eu grito, escutai minha voz! (Sl
140,1). Julgavas ter acabado de vez o teu clamor ao dizer: eu clamo por vós. Clamaste, mas não julgues que já estejas em segurança. Se findou a tribulação, findou também o clamor; mas se a tribulação da Igreja e do Corpo de Cristo continua até o fim dos tempos, não só devemos dizer: eu clamo por vós, socorrei-me sem demora; mas: Quando eu grito, escutai minha voz!
Minha oração suba a vós como incenso, e minhas mãos, como oferta da tarde (Sl 140,2).
Todo cristão sabe que esta expressão continua a ser atribuída à própria Cabeça. Porque, na
verdade, foi ao cair da tarde daquele dia, que o Senhor, voluntariamente, entregou na cruz sua
vida, para retomá-la em seguida. Também aqui estávamos representados. Com efeito, o que
estava suspenso na cruz foi o que ele assumiu da nossa natureza. Como seria possível que o Pai rejeitasse e abandonasse algum momento seu Filho Unigênito, sendo ambos um só Deus?
Contudo, cravando nossa frágil natureza na cruz, onde o nosso homem velho, como diz o
Apóstolo, foi crucificado com Cristo (Rm 6,6), clamou com a voz da nossa humanidade: Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,2).
Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a paixão do Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salvadora, o holocausto agradável a Deus. Esse sacrifício vespertino, ele o
converteu, por sua ressurreição, em oferenda da manhã. Assim, a oração que se eleva, com toda pureza, de um coração fiel, é como o incenso que sobe do altar sagrado. Não há aroma mais agradável a Deus: possam todos os fiéis oferecê-lo ao Senhor.
Por isso, o nosso homem velho – são palavras do Apóstolo – foi crucificado com Cristo, para
que seja destruído o corpo do pecado, de maneira a não mais servirmos ao pecado (Rm 6,6).

Monday, February 25, 2013

25 de Fevereiro - Segunda-feira da 2ª semana da quaresma - Moisés e Cristo


Das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo
(Cat. 3,24-27: SCh 50,165-167)   (Séc.IV)

Moisés e Cristo
Os judeus viram milagres. Tu também verás, maiores e mais estupendos do que os do tempo em que os judeus saíram do Egito. Não viste o Faraó afogado no mar com seu exército, mas viste o demónio tragado pelas ondas com as suas armas. Os judeus passaram o Mar Vermelho, tu passaste para além da morte. Eles foram libertados dos egípcios e tu, do poder dos demónios.
Eles escaparam da escravidão do estrangeiro e tu, escapaste da escravidão muito mais triste do  pecado.
Queres ainda mais provas de que foste honrado com favores maiores? Os judeus não puderam
contemplar o rosto resplandecente de Moisés, que era homem como eles e servo do mesmo
Senhor; tu, porém, viste a glória do rosto de Cristo. E Paulo exclama: Todos nós, com o rosto
descoberto, contemplamos a glória do Senhor (2Cor 3,18).
Os judeus tinham Cristo que os seguia; mas agora ele nos segue de modo muito mais real.
Então o Senhor os acompanhava por causa de Moisés; agora nos acompanha não só por causa
de Moisés, mas também por nossa obediência. Os judeus, depois do Egito, encontraram o deserto; tu, depois da morte, encontrarás o céu. Em Moisés eles tinham um guia e chefe
excelente; nós temos como chefe e guia o novo Moisés, que é o próprio Deus.
Qual era a característica de Moisés? Moisés, diz a Escritura, era um homem muito humilde,
mais do que qualquer outro sobre a terra (Nm12,3). Esta qualidade podemos sem erro atribuí-
la ao nosso Moisés, porque é assistido pelo suavíssimo Espírito que lhe é intimamente
consubstancial. Moisés, erguendo as mãos ao céu, fazia cair o maná, o pão dos anjos; o nosso
Moisés ergue as mãos ao céu e nos dá o alimento eterno. Aquele feriu a rocha e fez brotar
torrentes de água; este toca na mesa, a mesa espiritual, e faz jorrar as fontes do Espírito. Por
isso, a mesa está colocada no meio, como uma fonte, para que de todos os lados acorram os
rebanhos à fonte e bebam das águas da salvação.
Uma vez que nos é dada uma tal fonte, um manancial de vida tão abundante, uma vez que a
nossa mesa está repleta de bens inumeráveis e nos inunda com seus dons espirituais,
aproximemo-nos de coração sincero e consciência pura, para alcançarmos graça e misericórdia
no tempo oportuno. Pela graça e misericórdia do Filho único, nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, por quem e com quem seja dada ao Pai e ao Espírito, fonte de vida, a glória, a honra e o
poder, agora e para sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.

Reflexão pessoal

O tempo de quaresma é tempo para nos aproximarmos de Cristo. Ele é a nossa salvação que pela sua morte e ressurreição nos redimiu. Ele é o nosso alimento, que se dá em Eucaristia para ser nosso sustento.
Como não aproximarmos deste grande manancial de vida tão abundante? N’Ele encontramos a graça e a misericórdia!

Friday, February 22, 2013

22 de fevereiro - Sexta-feira da 1ª semana da quaresma - Amar como Cristo




Do “Espelho da Caridade”, do Bem-aventurado Elredo, abade
(Lib. 3,5: PL 195,582)      (Séc.XI)

O amor fraterno a exemplo de Cristo
Nada nos impele tanto ao amor dos inimigos – e é nisso que consiste a perfeição do amor fraterno – do que considerar com gratidão a admirável paciência de Cristo, o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44,3). Ele apresentou seu rosto cheio de beleza aos ultrajes dos ímpios;
deixou-os velar seus olhos que governam o universo com um sinal; expôs seu corpo aos açoites; submeteu às pontadas dos espinhos sua cabeça, que faz tremer os principados e as potestades; entregou-se aos opróbrios e às injúrias; finalmente, suportou com paciência a cruz, os cravos, a lança, o fel e o vinagre, conservando em tudo a doçura, a mansidão e a serenidade.
Depois, como cordeiro levado ao matadouro ou como ovelha diante dos que a tosquiam, ele não abriu a boca (Is 53,7).
Ao ouvir esta palavra admirável, cheia de doçura, cheia de amor e de imperturbável serenidade: Pai, perdoa-lhes! (Lc 23,34), quem não abraçaria logo com todo o afeto os seus inimigos? Pai, perdoa-lhes!, disse Jesus. Poderá haver oração que exprima maior mansidão e caridade?
Entretanto, Jesus não se contentou em pedir; quis ainda desculpar, e acrescentou: Pai, perdoa- lhes! Eles não sabem o que fazem! (Lc 23,34). São, na verdade, grandes pecadores, mas não sabem avaliar a gravidade de seu pecado. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Crucificaram-me, mas não sabem a quem crucificaram, porque, se soubessem, não teriam crucificado o Senhor da glória
(1Cor 2,8). Por isso, Pai, perdoa-lhes! Julgaram-me um transgressor da lei, um usurpador da divindade, um sedutor do povo. Ocultei-lhes a minha face, não reconheceram a minha majestade. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!
Por conseguinte, se o homem quer amar-se a si mesmo com amor autêntico, não se deixa corromper por nenhum prazer da carne. Para não sucumbir a essa concupiscência da carne, dirija todo o seu afeto à admirável humanidade do Senhor. Para encontrar mais perfeito e suave repouso nas delícias da caridade fraterna, abrace também com verdadeiro amor os seus inimigos.
Mas, para que esse fogo divino não arrefeça diante das injúrias, contemple sem cessar, com os olhos do coração, a serena paciência de seu amado Senhor e Salvador.

Reflexão pessoal

A prova mais extrema do amor de Cristo é manifestada no mistério da sua paixão.
O que motiva Jesus a passar pela paixão, por todo o sofrimento da cruz?
Essencialmente dois factores: a fidelidade à vontade do Pai e o amor que nutria pelo ser humano.
Neste sentido a Paixão de Cristo tem um sentido redentor, para trazer a vida em plenitude ao ser humano e abrir-lhe as portas da salvação.
Em todo o caminho da Paixão não há uma única palavra de amargura… as suas palavras são sobretudo de misericórdia e perdão.
Para nós cristãos o exemplo de Cristo deve inspirar o nosso caminho e a relação com todo o ser humano, relações marcadas pelo olhar de misericórdia e compaixão.

Thursday, February 21, 2013

21 de fevereiro - Quinta-feira da 1ª semana da quaresma - À imagem de Cristo


Das Homilias de Santo Astério de Amaséia, bispo
(Hom. 13:PG40,355-358.362)     (Séc.V)

Imitemos o exemplo de Cristo como pastor
Se quereis parecer-vos com Deus porque fostes criados à sua imagem, imitai o seu exemplo. Se sois cristãos, nome que já é uma proclamação de caridade, imitai o amor de Cristo.
Considerai as riquezas de sua bondade. Estando para vir como homem ao meio dos homens, enviou à sua frente João, como pregoeiro e exemplo de penitência; e antes de João, tinha enviado todos os profetas para ensinarem aos homens o arrependimento, a volta ao bom caminho e a conversão a uma vida melhor.
Vindo, pouco depois, ele mesmo em pessoa, proclamou com a sua voz: Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados e eu vos darei descanso (Mt 11,28). Como acolheu ele os que ouviram a sua voz? Concedeu-lhes sem dificuldade o perdão dos pecados e a imediata libertação de seus sofrimentos. O Verbo os santificou, o Espírito os confirmou; o velho homem foi sepultado nas águas do batismo e o novo, regenerado, resplandeceu pela graça.
Que conseguimos ainda? De inimigos de Deus, nos tornamos amigos; de estranhos, filhos; e de pagãos, santos e piedosos.
Imitemos o exemplo de Cristo como pastor. Contemplemos os evangelhos e vendo neles, como num espelho, o exemplo de sua solicitude e bondade, aprendamos a praticá-las.
Vejo ali, em parábolas e figuras, um pastor de cem ovelhas que, ao verificar que uma delas se afastara do rebanho e andava sem rumo, não permaneceu com as outras que pastavam tranquilamente. Saiu à sua procura, atravessando vales e florestas, transpondo altos e escarpados montes, percorrendo desertos, num esforço incansável até encontrá-la.
Tendo-a encontrado, não a castigou nem a obrigou com violência a voltar para o rebanho; pelo contrário, tomando-a nos ombros e tratando-a com doçura, levou-a para o aprisco, alegrando-se mais por esta única ovelha recuperada do que por todas as outras. Consideremos a realidade oculta na obscuridade da parábola. Nem esta ovelha nem este pastor são propriamente uma ovelha e um pastor; são imagem de uma realidade mais profunda.
Há nesses exemplos um ensinamento sagrado: nunca devemos considerar os homens como perdidos e sem esperança de salvação, nem deixar de ajudar com todo empenho os que se encontram em perigo nem demorar em prestar-lhes auxílio. Pelo contrário, reconduzamos ao bom caminho os que se afastaram da verdadeira vida e alegremo-nos com a sua volta à comunhão daqueles que vivem reta e piedosamente.

Reflexão pessoal

Cristo apresenta-se como o modelo de todo o cristão, um modelo a seguir e imitar.
Toda a sua vida foi pautada pelo amor, sobretudo aos mais débeis e necessitados. A imagem do Bom Pastor evoca esse amor que Jesus tem por nós.
Hoje também somos chamados a ser a transparência desse amor no acolhimento e cura dos mais fragilizados. Imitemos a sua solicitude de bom pastor, olhando para a condição humana na sua profundeza, descobrindo aí muitas vezes a imagem de um Cristo fragilizado que necessita na nossa atenção e cura.

Wednesday, February 20, 2013

20 de Fevereiro - Quarta-feira da 1ª semana da quaresma - A circuncisão do coração




Das Demonstrações de Afraates, bispo
(Dem.11, De circumcisione, 11-12:PS 1,498-503)               (Séc.IV)

A circuncisão do coração
A lei e a aliança foram totalmente mudadas. Primeiramente Deus substituiu o pacto com Adão por outro que estabeleceu com Noé; e ainda estabeleceu outro com Abraão, substituindo-o depois por um novo, feito com Moisés. Como a aliança mosaica não era observada, ao chegar a plenitude dos tempos, Deus firmou uma aliança que não seria mais mudada. Com efeito, a Adão Deus ordenara não comer da árvore da vida, a Noé dera o arco-íris, a Abraão, já escolhido por causa da sua fé, deu mais tarde a circuncisão, como sinal característico de seus descendentes; a Moisés deu o cordeiro pascal para ser imolado como propiciação pelo povo.
Todas essas alianças eram diferentes umas das outras. Mas a circuncisão que agrada ao autor de todas elas é aquela de que fala Jeremias: Circuncidai o vosso coração (Jr 4,4). Pois se o pacto estabelecido por Deus com Abraão foi firme, também este é firme e imutável e não seria possível estabelecer depois outra lei, seja por parte dos que estão fora da Lei ou dos que a ela estão submetidos.
O Senhor deu a lei a Moisés, com todas as suas observâncias e preceitos; como não cumpriram, anulou a lei e seus preceitos e prometeu fazer uma nova aliança, que seria, como disse, diferente da primeira, embora fosse um só o doador de ambas. E é esta a aliança que prometeu dar: Todos se reconhecerão, do menor ao maior deles (Jr 31,34). Nessa aliança não há mais a circuncisão da carne como sinal de pertença a seu povo. 
Sabemos com certeza, caríssimos irmãos, que durante várias gerações Deus estabeleceu leis que estiveram em vigor enquanto foi de seu agrado, e que mais tarde caíram em desuso, como disse o Apóstolo: “No passado, o reino de Deus assumiu formas diversas, segundo os diversos tempos”.
O nosso Deus é veraz e os seus preceitos são fidelíssimos. Por isso, cada uma das alianças foi, em seu tempo, firme e verdadeira. Agora, os circuncisos de coração têm a vida por meio da nova circuncisão que se realiza no verdadeiro Jordão, isto é, por meio do batismo para a remissão dos pecados.
Josué, filho de Nun, com uma faca de pedra circuncidou o povo pela segunda vez, quando ele e seu povo atravessaram o rio Jordão. Jesus, nosso Salvador, circuncidou pela segunda vez, com a circuncisão do coração, os povos que nele creram purificados pelo batismo e circuncidados com a espada que é a palavra de Deus, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes (Hb 4,12).
Josué, filho de Nun, introduziu o povo na terra da promissão; Jesus, nosso Salvador, prometeu a terra da vida a todos que atravessassem o Jordão, cressem nele e fossem circuncidados no coração.
Felizes, portanto, os que foram circuncidados em seu coração e renasceram das águas da segunda circuncisão! Estes receberão a herança prometida, juntamente com Abraão, guia fiel e pai de todos os povos, porque a sua fé lhe foi atribuída como justiça.

Reflexão pessoal

O tempo de quaresma é o tempo de dar uma atenção muito especial ao nosso coração. Não pela abstinência, jejum e penitência que nos poderão ajudar a ter um coração mais saudável.
Não tanto ao nosso coração como órgão físico  mas aquilo que ele representa na cultura hebraica. O coração é o centro da vida e o lugar das grandes decisões.
Por isso, dar atenção ao nosso coração representa antes de mais à pessoa no seu todo, como centro vital. O coração, tocado e transformado pela graça de Deus, permite-nos uma relação cada vez mais íntima com Deus.

Tuesday, February 19, 2013

19 de fevereiro - Terça-feira da 1ª semana da quaresma - Jesus, o Mestre da oração




Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir
 (Cap.1-3: CSEL 3,267-268)           (Séc.III)

Quem nos deu a vida também nos ensinou a orar
Os preceitos evangélicos, irmãos caríssimos, não são outra coisa que ensinamentos divinos, fundamentos para edificar a esperança, bases para consolidar a fé, alimento para revigorar o coração, guias para mostrar o caminho, garantias para obter a salvação. Enquanto instruem na terra os espíritos dóceis dos que crêem, eles os conduzem para o Reino dos céus.
Outrora quis Deus falar e fazer-nos ouvir de muitas maneiras pelos profetas, seus servos. Mas muito mais sublime é o que nos diz o Filho, a Palavra de Deus, que já estava presente nos profetas e agora dá testemunho pela sua própria voz. Ele não manda mais preparar o caminho para aquele que há de vir, mas vem, ele próprio, mostrar-nos e abrir-nos o caminho para que nós, outrora cegos e imprevidentes, errantes nas trevas da morte, iluminados agora pela luz da graça, sigamos o caminho da vida, sob a proteção e guia do Senhor.
Entre as exortações salutares e os preceitos divinos com que orienta seu povo para a salvação, o Senhor ensinou o modo de orar e nos instruiu e aconselhou sobre o que havemos de pedir.
Quem nos deu a vida, também nos ensinou a orar com a mesma bondade com que se dignou conceder-nos tantos outros benefícios, a fim de que, dirigindo-nos ao Pai com a súplica e oração que o Filho nos ensinou, sejamos mais facilmente ouvidos.
Jesus havia predito que chegaria a hora em que os verdadeiros adoradores adorariam o Pai em espírito e em verdade. E cumpriu o que prometera. De fato, tendo nós recebido por sua graça santificadora o Espírito e a verdade, podemos adorar a Deus verdadeira e espiritualmente segundo os seus ensinamentos.
Pode haver, com efeito, oração mais espiritual do que aquela que nos foi ensinada por Cristo, que também nos enviou o Espírito Santo? Pode haver prece mais verdadeira aos olhos do Pai do que aquela que saiu dos lábios do próprio Filho que é a Verdade? Assim, orar de maneira diferente da que o Senhor nos ensinou não é só ignorância, mas também culpa, pois ele mesmo disse: Anulais o mandamento de Deus a fim de guardar as vossas tradições (cf. Mc 7,9).
Oremos, portanto, irmãos caríssimos, como Deus, nosso Mestre, nos ensinou. A oração agradável e querida por Deus é a que rezamos com as suas próprias palavras, fazendo subir aos seus ouvidos a oração de Cristo.
Reconheça o Pai as palavras de seu Filho, quando oramos. Aquele que habita interiormente em nosso coração, esteja também em nossa voz; e já que o temos junto ao Pai como advogado por causa de nossos pecados, digamos as palavras deste nosso advogado quando, como pecadores, suplicarmos por nossas faltas. Se ele disse que tudo o que pedirmos ao Pai em seu nome nos será dado (cf. Jo 14,13), quanto mais eficaz não será a nossa súplica para obtermos o que pedimos em nome de Cristo, se pedirmos com sua própria oração!

Reflexão pessoal

Na continuação da reflexão de sexta-feira de cinzas, sobre a importância da oração para este tempo de quaresma e não só, somos hoje convidados a olhar para aquele que é o mestre da oração, o próprio Jesus.
Quem melhor do que Ele para nos ensinar a rezar? A sua oração foi intensa relação com o Pai, deixando-nos a oração mais bela do pai-nosso. Através dela aprendamos a aprofundar a nossa relação com Deus Pai…

18 de fevereiro - Segunda-feira da 1ª semana da quaresma - Ser reflexo da bondade de Deus




Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo
(Oratio 14, De pauperum amore, 23-24:PG35 889-890) (Séc.IV)

Manifestemos uns para com os outros a bondade do Senhor
Considera de onde te vem a existência, a respiração, a inteligência, a sabedoria, e, acima de tudo, o conhecimento de Deus, a esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo presente, é ainda imperfeita como num espelho e em enigma, mas que um dia haverá de ser mais plena e mais pura. Considera de onde te vem a graça de seres filho de Deus, herdeiro com Cristo e, falando com mais ousadia, de teres também sido elevado à condição divina. De onde e de quem vem tudo isso?
Ou ainda, – se quisermos falar de coisas menos importantes e que podemos ver com os nossos olhos – quem te concedeu a felicidade de contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a multidão dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso como uma lira afinada?
Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as artes, a morada, as leis, a sociedade, a vida tranquila e civilizada, a amizade e a alegria da vida familiar?
De onde te vem poderes dispor dos animais, os domésticos para teu serviço e os outros para teu alimento?
Quem te constituiu senhor e rei de todas as coisas que há na face da terra?
E, porque não é possível enumerar uma a uma todas as coisas, pergunto finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior a todos os outros seres vivos?
Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te pede em compensação por tudo, e acima de tudo, não é o teu amor para com ele e para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que recebemos ou esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe oferecer nem mesmo esta única retribuição que pede, isto é, o amor? E se ele, embora sendo Deus e Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o coração aos nossos irmãos?
De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum sejamos maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: “Envergonhai-vos, vós que vos apoderais do que não é vosso; imitai a justiça de Deus e assim ninguém será pobre”.
Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas duras e ameaçadoras palavras do profeta Amós:
Tomai cuidado, vós que andais dizendo: “Quando passará o mês para vendermos; e o sábado, para abrirmos nossos celeiros?” (cf. Am 8,5).
Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz chover sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos campos, as fontes, os rios e as florestas; que dá às aves a amplidão dos céus, e aos animais aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a todos, liberalmente, os meios necessários para a sua subsistência, sem restrições, sem condições, sem fronteiras; que põe tudo em comum, à disposição de todos eles, com abundância e generosidade, de modo que nada falte a ninguém. Assim procede Deus para com as suas criaturas, a fim de conceder a cada um os bens de que necessita segundo a sua natureza e dignidade, e manifestar a todos a riqueza da sua bondade.

Reflexão pessoal

Se paramos para olhar o que existe à nossa volta, para contemplar a beleza da criação, não podemos de deixar de reconhecer a bondade de Deus.
A natureza criada e o ser humano são um grande reflexo da bondade de Deus, concedendo a cada um aquilo que necessita.
Deixemos que esse reflexo da bondade de Deus ilumine a vida e o mundo de todos aqueles que quotidianamente se cruzam connosco.

Sunday, February 17, 2013

17 de fevereiro - 1º domingo da quaresma - Em Cristo fomos tentados, n'Ele venceremos



Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo
(Ps 60, 2-3:CCL39,766)  (Séc.V)

Em Cristo fomos tentados e nele vencemos o demónio
Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração (Sl 60,2). Quem é que fala assim?
Parece ser um só: Dos confins da terra a vós eu clamo, e em mim o coração já desfalece (Sl
60,3). Então já não é um só, e contudo é somente um, porque o Cristo, de quem todos somos membros, é um só. Como pode um único homem clamar dos confins da terra? Quem clama dos confins da terra é aquela herança a respeito da qual foi dito ao próprio Filho: Pede-me e te darei as nações como herança e os confins da terra por domínio (Sl 2,8).
Portanto, é esse domínio de Cristo, essa herança de Cristo, esse corpo de Cristo, essa Igreja de Cristo, essa unidade que somos nós, que clama dos confins da terra. E o que clama? O que eu disse acima: Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração; dos confins da terra a vós eu clamo. Sim, clamei a vós dos confins da terra, isto é, de toda parte.
Mas por que clamei? Porque em mim o coração já desfalece. Revela com estas palavras que ele está presente a todos os povos no mundo inteiro, não rodeado de grande glória mas no meio de grandes tentações.
Com efeito, nossa vida, enquanto somos peregrinos neste mundo, não pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza nosso progresso e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado. Ninguém pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigo e tentações.
Aquele que clama dos confins da terra está angustiado, mas não está abandonado. Porque foi a nós mesmos, que somos o seu corpo, que o Senhor quis prefigurar em seu próprio corpo, no qual já morreu, ressuscitou e subiu ao céu, para que os membros tenham a certeza de chegar também aonde a cabeça os precedeu.
Portanto, o Senhor nos representou em sua pessoa quando quis ser tentado por Satanás. Líamos há pouco no Evangelho que nosso Senhor Jesus Cristo foi tentado pelo demónio no deserto. De fato, Cristo foi tentado pelo demónio. Mas em Cristo também tu eras tentado, porque ele assumiu a tua condição humana, para te dar a sua salvação; assumiu a tua morte, para te dar a sua vida; assumiu os teus ultrajes, para te dar a sua glória; por conseguinte, assumiu as tuas tentações, para te dar a sua vitória.
Se nele fomos tentados, nele também vencemos o demónio  Consideras que o Cristo foi tentado e não consideras que ele venceu? Reconhece-te nele em sua tentação, reconhece-te nele em sua vitória. O Senhor poderia impedir o demónio de aproximar-se dele; mas, se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como vencer na tentação.

Reflexão pessoal

Jesus sentiu necessidade de se retirar para o deserto e aí permanecer durante 40 dias, para um encontro profundo com o Pai e preparar o anúncio do Reino. Nesse tempo de deserto, Ele foi tentado pelo demónio.
Isto porque Ele era homem, sentiu também na sua pele essa mesma fragilidade.
Mas perante a tentação, agarrou-se àquilo que lhe dava um sentido de vida, a sua relação com o Pai.
Certamente que como criaturas humanas temos muitas tentações de poder, de glória, de segurança, de domínio… e o tempo de quaresma coloca-nos perante tudo isso para que nos possamos purificar. Jesus viveu a sua vocação com plena liberdade, não cedendo viver aprisionado ao passageiro e efémero, ancorando a sua vida na vontade do Pai.
Se em Cristo fomos tentados, é por esse mesmo Cristo, seguindo um caminho de libertação, que seremos salvos, que viveremos plenamente.

Saturday, February 16, 2013

16 de fevereiro - Sábado de Cinzas - A amizade de Deus




Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 4,13,4-14,1: Sch 100, 534-540)          (Séc. II)

A amizade de Deus
Nosso Senhor, o Verbo de Deus, que primeiro atraiu os homens para serem servos de Deus, libertou em seguida os que lhe estavam submissos, como ele próprio disse a seus discípulos: já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15,15). A amizade de Deus concede a imortalidade aos que a obtém.
No princípio, Deus formou Adão, não porque tivesse necessidade do homem, mas para ter alguém que pudesse receber os seus benefícios. De fato, não só antes de Adão, mas antes da criação, o Verbo glorificava seu Pai, permanecendo nele, e era também glorificado pelo Pai, como ele mesmo declara: Pai, glorifica-me com a glória que eu tinhajunto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5).
Não foi também por necessitar do nosso serviço que Deus nos mandou segui-lo, mas para dar-nos a salvação. Pois seguir o Salvador é participar da salvação, e seguir aluz é receber a luz.
Quando os homens estão na luz, não são eles que a iluminam, mas são iluminados e tornam-se resplandecentes por ela. Nada lhe proporcionam, mas dela recebem o benefício e a iluminação.
Do mesmo modo, o serviço que prestamos a Deus nada acrescenta a Deus, porque ele não precisa do serviço dos homens. Mas aos que o seguem e servem, Deus concede a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna. Ele dá seus benefícios aos que o servem precisamente porque o servem e aos que o seguem precisamente porque o seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é rico, perfeito e de nada precisa.
Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os seus dons aos que perseveram no seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, pois o homem é que precisa da comunhão com Deus.
É esta, pois, a glória do homem: perseverar e permanecer no serviço de Deus. Por esse motivo dizia o Senhor a seus discípulos: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15,16), dando assim a entender que não eram eles que o glorificavam seguindo-o, mas, por terem seguido o Filho de Deus, eram por ele glorificados. E disse ainda: Quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória (Jo 17,24).

Reflexão pessoal

A criação do ser humano é a maior manifestação do seu amor. Existimos porque somos criaturas amadas por Deus.
Neste tempo de quaresma somos convidados a refletir nesta dimensão da vida humana. É ele que em primeiro lugar manifesta a sua amizade connosco. Por isso, preservar esta amizade com Deus, no seu serviço, é uma grande fonte de graças. Foi Ele que nos escolheu…
Tens consciência desse amor que Ele tem por ti? Como o manifestas?

Friday, February 15, 2013

15 Fevereiro - Sexta-feira de Cinzas - A oração, comunhão íntima com Deus



Das Homílias do Pseudo-Crisóstomo
(Supp., Hom. 6 de precatione: PG 64,462-466) (Séc. IV)

A oração é a luz da alma
A oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus. Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por sua luz inefável. Falo da oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem inter­rupção.
Com efeito, não devemos orientar o pensamento para Deus apenas quando nos aplicamos à oração; também no meio das mais variadas tarefas - como o cuidado dos pobres, as obras úteis de misericórdia ou quaisquer outros serviços do próximo - é preciso conservar sempre vivos o desejo e a lembrança de Deus. E assim, todas as nossas obras, tempe­radas com o sal do amor de Deus, se tornarão um alimento dulcíssimo para o Senhor do universo. Podemos, entretanto, gozar continuamente em nossa vida do bem que resulta da oração, se lhe dedicarmos todo o tempo que nos for possível.
 A oração é a luz da alma, o verdadeiro conhecimento de Deus, a mediadora entre Deus e os homens. Pela oração a alma se eleva até aos céus e une-se ao Senhor num abraço inefável; como uma criança que, chorando, chama sua mãe, a alma deseja o leite divino, exprime seus próprios desejos e recebe dons superiores a tudo que é natural e visível.
 A oração é venerável mensageira que nos leva à presen­ça de Deus, alegra a alma e tranquiliza o coração. Não penses que essa oração se reduza a palavras. Ela é desejo de Deus, amor inexprimível que não provém dos homens, mas é efeito da graça divina, como diz o Apóstolo: Nós não sabemos o que devemos pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis (Rm 8,26). (…)
Praticando-a em sua pureza original, adorna tua casa de modéstia e humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça. Enfeita-se com boas obras, quais plaquetas de ouro, ornamenta-se de fé e de magnanimidade em vez de paredes e mosaicos. Como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a oração. Assim prepararás para o Senhor uma digna morada, assim terás um esplêndido palácio real para o receber, e poderás tê-lo contigo na tua alma, transformada, pela graça, em imagem e templo da sua presença.

Reflexão pessoal

Um dos pilares fundamentais da vida cristã e também um dos exercícios quaresmais é a oração.
A oração vista sobretudo como relação. E uma relação requer o diálogo. São momentos privilegiados em que, saindo de nós mesmo, nos elevamos até Deus. É o aprofundar a minha amizade com Deus, que pode ser feitas de muitas formas e feitios. Posso me auxiliar da Palavra de Deus, de orações que já conheça e que quero fazer minhas, falando espontâneamente com Deus ou simplesmente estar… não dizer nada, marcando a presença.
Este tempo de Quaresma é propicio para que possas arranjar tempo para estar com ele, no silêncio do teu quarto, no silêncio de uma igreja, no rebuliço da cidade a caminho do emprego… Se Deus está em toda a parte (aprendíamos nós no catecismo antigamente!), todo o lugar habitado pelo ser humano pode ser lugar deste encontro.

Thursday, February 14, 2013

14 de fevereiro - Quinta-feira de Cinzas - Purificação espiritual pelo jejum e penitência



Dos Sermões de São Leão Magno, papa
 (Sermo 6 de Quadragesima, 1-2: PL 54,285-287)              (Séc. V)

A purificação espiritual por meio do jejum e da misericórdia
Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da misericórdia do Senhor (SI 32,5). À própria natureza é para todo fiel uma lição que o ensina a louvar a Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe proclamam a bondade e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza dos elementos postos a nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação de graças.
 O retorno, porém, desses dias, que os mistérios da salva­ção humana marcaram de modo mais especial e que prece­dem imediatamente a festa da Páscoa, exige que nos prepa­remos com maior cuidado por meio de uma purificação espiritual.
 Na verdade, é próprio da solenidade pascal que a Igreja inteira se alegre com o perdão dos pecados. Não é apenas nos que renascem pelo santo batismo que ele se realiza, mas também naqueles que desde há muito são contados entre os filhos adotivos.
 É, sem dúvida, o banho da regeneração que nos torna criaturas novas; mas todos têm necessidade de se renovar a cada dia para evitarmos a ferrugem inerente à nossa condi­ção mortal, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição; por isso, todos sem exceção, devemos empenhar-nos para que, no dia da reden­ção, pessoa alguma seja ainda encontrada nos vícios do passado.
 Por conseguinte, amados filhos, aquilo que cada cristão deve praticar em todo tempo, deve praticá-lo agora com maior zelo e piedade, para cumprir a prescrição, que remonta aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não somente reduzin­do os alimentos, mas sobretudo abstendo-se do pecado.
 A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que se­jam os recursos de cada um. (…)
São inúmeras as obras de misericórdia, o que permite aos verdadeiros cristãos tomar parte na distribuição de es­molas, sejam eles ricos, possuidores de grandes bens, ou pobres, sem muitos recursos. Apesar de nem todos poderem ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa vontade que manifestam.

Reflexão pessoal


A Quaresma é um tempo de purificação espiritual: purificação interior e exterior.
Em primeiro lugar tomarmos consciência de criaturas amadas e transformadas pela água do Batismo, essa condição que nos lembra a dignidade de sermos filhos amados de Deus.
Em segundo lugar, todas as obras exteriores de piedade (jejum, esmola) têm como principal objetivo a nossa renovação espiritual. Os atos só por si até podem ser uma prisão. O objetivo desses atos, dessas obras de piedade, são sobretudo a misericórdia e a caridade.
Por muito ou pouco que tenhamos, não deixemos de fazer deste tempo de quaresma um tempo de partilha e atenção aos mais necessitados. Certamente que a nossa renovação espiritual também passa por aí.

Wednesday, February 13, 2013

13 fevereiro - Quarta-feira de Cinzas - O tempo favorável da Penitência



Da Carta aos Coríntios, de São Clemente I, papa
(Cap. 7,4-8,3; 8,5-9,1; 13,1-4; 19,2: Funk 1,71-73.77-79.87)           (Sec. I)

Fazei penitência
Fixemos atentamente o olhar no sangue de Cristo e compreendamos quanto é precioso aos olhos de Deus, seu Pai, esse sangue que, derramado para nossa salvação, ofereceu ao mundo inteiro a graça da penitência.
 Percorramos todas as épocas do mundo e verificaremos que em cada geração o Senhor concedeu o tempo favorável da penitência a todos os que a ele quiseram converter-se. Noé proclamou a penitência, e todos que o escutaram foram salvos. Jonas anunciou a ruína aos ninivitas, mas eles, fazendo penitência de seus pecados, reconciliaram-se com Deus por suas súplicas e alcançaram a salvação, apesar de não pertencerem ao povo de Deus.
 Inspirados pelo Espírito Santo, os ministros da graça de Deus pregaram a penitência. O próprio Senhor de todas as coisas também falou da penitência, com juramento: Pela minha vida, diz o Senhor, não quero a morte do pecador, mas que mude de conduta (cf. Ez 33,11); e acrescentou esta sentença cheia de bondade: Deixa de praticar o mal, ó Casa de Israel! Dize aos filhos do meu povo: "Ainda que vossos pecados subam da terra até o céu, ainda que sejam mais vermelhos que o escarlate e mais negros que o cilício, se voltardes para mim de todo o coração e disserdes: 'Pai', eu vos tratarei como um povo santo e ouvirei as vossas súplicas” (cf. Is 1,18; 63,16; 64,7; Jr 3,4; 31,9). (…)
Obedeçamos, portanto, à sua excelsa e gloriosa vontade. Imploremos humildemente sua misericórdia e benignidade. Convertamo-nos sinceramente ao seu amor. Abandonemos as obras más, a discórdia e a inveja que conduzem à morte. (…)
Antes de mais nada, lembremo-nos das palavras do Senhor Jesus, quando exortava à benevolência e à longanimidade: Sede misericordiosos, e alcançareis misericórdia; perdoai, e sereis perdoados; como tratardes o próximo, do mesmo modo sereis tratados; dai, e vos será dado; não julgueis, e não sereis julgados; fazei o bem, e ele também vos será feito; com a medida com que medirdes, vos será medido (cf. Mt 5,7; 6,14; 7,1.2).

Reflexão pessoal

Uma das palavras que mais ouviremos no tempo da quaresma é o convite à penitência.
O que significa a penitência? Significa sobretudo a coragem de renovação de vida.
Este é o tempo favorável da penitência… é o tempo favorável da renovação de vida e de espírito.
Penitência não tem somente a ver com aquilo que sou e que precisa de ser renovado, mas tem também muito a ver com o meu confronto com os outros.
A verdadeira conversão de vida conduz à misericórdia e à caridade.

Quarta-feira de cinzas - O inicio de mais um tempo de Quaresma


Estamos a viver mais uma quarta-feira de cinzas, que marca o início da Quaresma e preparação para a Páscoa.
Para a Igreja este é um tempo particular de enriquecimento interior, um apelo à conversão, à mudança de vida...
As cinzas evocam isso mesmo. São o sinal da fragilidade da vida humana, do reconhecimento da nossa condição de criaturas fracas e débeis, mas ao mesmo tempo tocadas por Deus, criadas à sua imagem e semelhança. Por isso Deus nunca desiste de nós apesar da nossa fraqueza. A sua misericórdia supera o nosso pecado... o seu amor não pára de nos reabilitar desde que estejamos dispostos para isso.

Como este é um tempo tão rico, e para tirar pleno proveito deste tempo de graça, publicarei todos os dias no blog breves textos e reflexões para vos ajudar a viver em plenitude a Quaresma.
Partindo de excertos dos texto propostos no Oficio Divino para cada dia (a segunda leitura do oficio de leituras), juntarei algumas reflexões pessoais que espero serem do vosso agrado.

Uma boa caminhada quaresmal a todos os meus amigos! Que seja um tempo de renovação do Espírito!