Tuesday, October 01, 2013

Uma escola de oração


 Faleceu Ricardo Tonelli, um dos grande pensadores da pastoral juvenil, sacerdote salesiano!
Tive o máximo privilégio de ser seu aluno e aprender com ele este gosto do anuncio do Evangelho aos jovens.Uma das frases basilares de todo o seu pensamento acerca da pastoral juvenil era "Eu vim para que tenham vida... e a tenham em abundância". Ainda me lembro como se fosse hoje!
Não esqueço o entusiasmo com que falava dos jovens e a preocupação pelo anuncio da Palavra... sobretudo a sua confiança no método da narração aplicado aos Evangelhos!Por isso decidi partilhar convosco uma das suas narrações do seu livro "Trenta storie" (ELLEDICI, 1999) e que já usei algumas vezes em actividades com jovens.

É uma narração inspirada no texto de Lucas dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35).
Este é o meu simples e humilde tributo a um tão grande mentor da Pastoral Juvenil!





Estavam cheios de expectativas. Tinham aceite o convite de Jesus com tanto entusiasmo. Tinham deixado tudo para segui-lo, fascinados que estavam pela sua pessoa e pela sua causa.

Agora parece que tudo acabou. No pior dos modos.
Os inimigos tinham capturado Jesus. Tinham-no submetido a um julgamento irrisório. Condenaram-no como um malfeitor, àquele que tinha feito somente bem aos que encontrava. E depois de o terem torturado, mataram-no. Tudo acabou deste modo. Jesus tinha prometido que venceria até a morte. Tinha restituído a vida aos outros. Porém com a sua... nada disso aconteceu. Jesus tinha desaparecido do olhar e do coração dos seus amigos. Os inimigos tinham vencido. Tudo voltaria ao princípio.
Paciência... foi um sonho bonito, que acabou muito depressa e de uma forma trágica.
Agora não havia mais nada a fazer. Era necessário voltar para casa, com amargura da saudade e um pouco envergonhados. Era necessário retomar o trabalho, abandonado há alguns meses.
Voltar... ao que era antes: como se nada tivesse acontecido, suportando o sorriso gozão dos amigos, que não tinham percebido aquela estranha vontade de seguir aquele tipo de Nazaré, que fazia um bom número de inimigos com as suas ideias.
Muitos dos discípulos já tinham regressado. Agora era a sua vez. Muito serenamente, decidiram voltar a Emaús, à sua casa. Como se nada tivesse acontecido.
Caminhavam trocando entre si palavra amargas. Não tinham outras: as últimas tinham sido gastas na triste saudação aos amigos que ficaram em Jerusalém.
De repente, aproxima-se um peregrino, saído do nada. Vinha, tal como eles, de Jerusalém. Mas ainda não se tinham apercebido da sua presença.
“Boa noite. Salve. Para onde ides?”. “Vimos de Jerusalém e voltamos para casa, em Emaús. Já falta pouco, sorte a nossa”.
Insiste o peregrino: “Posso juntar-me a vós? Eu vou para esses lados. A estrada é longa e, nos tempos que correm, também é perigosa. Posso fazer-vos companhia?”.
“Que cara triste que tendes. Parece que saíram de um funeral. Estarei enganado?”
A resposta é imediata. As palavras saem como um choro. “De verdade vimos de um funeral. Falado em toda a Jerusalém. Como é que não soubeste? Mataram Jesus de Nazaré. Era nosso amigo e mestre. Estávamos com ele, partilhávamos a sua paixão pela libertação de Israel e a sua esperança no futuro de Deus. Mataram-no, pregando-o numa cruz, com um processo que parecia estar cozinhado para o condenar”.
Uma pausa para respirar e voltar às últimas chamas daquela esperança que lhes tinha incendiado o coração.
“Só fazia o bem: curava os doentes, tratava bem os pobres, tinha uma palavra de conforto até com os pecadores. E vê lá que até ressuscitou mortos. De certeza que ouviste falar de Lázaro, aquele de Betânia. Jesus trouxe-o à vida, três dias após a sua morte. Infelizmente falava com excessivo à vontade de Deus e da lei. Queria muito bem aos pobres.
Mataram-no. Quem? De certeza que sabes... os romanos, mas com a cumplicidade dos nossos sacerdotes e doutores da lei...
Antes de morrer, prometera que voltaria a viver, também ele, como o seu amigo Lázaro. Mas já passaram três dias... e nada.”
O segundo acrescenta: “Nada... não é bem assim. Sabes, no nosso grupo tínhamos também algumas mulheres. Estavam connosco para servir Jesus. Algumas dizem ter visto Jesus ressuscitado. Ninguém acredita. São mulheres fanáticas... Imaginaram, cegas que estão pela dor e o amor.
Os chefes, Pedro e os outros, não viram nada.
Acabou. Também nós voltamos para casa”.
“Calma. Não tireis conclusões precipitadas”, toma a palavra o estranho companheiro de viagem. “Estais fazendo uma leitura incorrecta dos acontecimentos. Estais a acreditar somente no que vistes com os vossos olhos. Tenho pena de vós: sois um pouco cegos. Não sabeis ler os mais profundamente os acontecimentos!”
“Ajuda-nos... se é que consegues”. “Com muito gosto. Escutai”.
Passo a passo aproximavam-se do seu destino. Passo a passo, o companheiro de viagem ajudava-os a reler os acontecimentos. Cita passagens da escritura. Recorda profecias antigas e novas. Actualiza antigas recordações.
Nem mesmo no tempo em que estavam com Jesus, tinham vivido uma experiência tal. Estavam a ser projectados para o futuro. Quase que tinham esquecido o passado. O presente e os seus projectos eram mais importantes que o passado.
Agora, por outro lado, vêm o passado à luz do presente. As coisas maravilhosas que Deus fez pelo seu povo tornam-se uma espécie de nova leitura do presente. Mesmo a escuridão, a incerteza e a dor mudam de tonalidade. Brilham com algo que nunca tinham descoberto.
Olham-se. “Estranho... mas então não mataram a nossa esperança. Somente a apagaram. Tentaram apagá-la e caímos na armadilha. Sem passado o nosso presente torna-se desespero. Voltávamos para casa porque não tínhamos futuro. Porém... há uma esperança. Jesus tinha razão quando nos falava da semente que deve morrer para se tornar uma espiga”.
“Mataram-no... mas não venceram. Deus vence a morte. Estava tudo programado nos planos de Deus”.
De um modo espontâneo começaram a rezar salmos. Tinham um novo sabor. Nunca se tinham apercebido disso antes.
“E se voltássemos a Jerusalém?”. “Amanhã. Hoje já é tarde. Não podemos fazer este caminho de noite. É muito perigoso. Amanhã.”
Avistavam-se as primeiras casas de Emaús. Tinham chegado ao seu destino: amanhã de manhã, ao nascer do sol, voltam a Jerusalém.
O companheiro de viagem faz que os saúda para pôr-se a caminho. “Continuas a tua viagem? A esta hora?”. Insistem: “Fica connosco. A nossa casa tem lugar também para ti, sem problemas. Vá lá... descansa”.
Estavam resignados a voltar à vida de antes. Tinham já colocado os remos na barca, sem coragem e desiludidos. Mas a experiência de Jesus tinha-os marcado profundamente. Respiravam a exigência da hospitalidade, a verdadeira hospitalidade. As suas não eram palavras de circunstância. Vinham do coração. “Fica connosco. És nosso hóspede”.
O misterioso viajante pára. Resiste, talvez para experimentar a autenticidade daquele convite. Depois pára. Aceita o acto de hospitalidade.
Põem-se à mesa.
A certa altura... se lhe abrem os olhos.
Jesus caminhou com eles. Rezou com eles, ajudando-os a reler os acontecimentos do mistério que traziam em si. Ajudou-os a rezar contemplando.
Agora a oração explode na celebração. Jesus toma o pão e o vinho. Abençoa-os e partilha.
Um grito: “É ele, o crucificado ressuscitou. Será possível que não nos tenhamos apercebido antes? Estávamos mesmo cegos, de dor e resignação”.
Já não está. Voltou silenciosamente tal como tinha vindo.
As poucas horas passadas com eles marcaram-nos. Guiou-os pela mão numa intensa experiência de oração, que os transformou profundamente.
A esperança e a paixão voltam aos seus corações. A oração e a celebração se abrem para a vida.
Agora já não é tarde para voltar a Jerusalém. Os perigos da viagem nocturna desapareceram. Partem, apressadamente: a experiência vivida tem de ser comunicada aos outros.

Voltam a Jerusalém, para gritar a todos: Jesus Ressuscitou, a sua aventura em favor da vida e esperança de todos... continua. Ou melhor: recomeça.