Do “Espelho da
Caridade”, do Bem-aventurado Elredo, abade
(Lib. 3,5: PL
195,582) (Séc.XI)
O amor fraterno a exemplo de Cristo
Nada nos impele tanto ao amor dos inimigos – e é nisso que consiste a
perfeição do amor fraterno – do que considerar com gratidão a admirável paciência
de Cristo, o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44,3). Ele apresentou seu rosto cheio de
beleza aos ultrajes dos ímpios;
deixou-os velar seus olhos que governam o universo com um sinal; expôs
seu corpo aos açoites; submeteu às pontadas dos espinhos sua cabeça, que faz
tremer os principados e as potestades; entregou-se aos opróbrios e às injúrias;
finalmente, suportou com paciência a cruz, os cravos, a lança, o fel e o
vinagre, conservando em tudo a doçura, a mansidão e a serenidade.
Depois, como cordeiro levado ao matadouro ou como ovelha
diante dos que a tosquiam, ele não abriu a boca (Is 53,7).
Ao ouvir esta palavra admirável, cheia de doçura, cheia de amor e de
imperturbável serenidade: Pai, perdoa-lhes! (Lc 23,34), quem não abraçaria logo com todo o afeto os seus inimigos?
Pai, perdoa-lhes!, disse Jesus. Poderá haver oração que exprima maior mansidão
e caridade?
Entretanto, Jesus não se contentou em pedir; quis ainda desculpar, e
acrescentou: Pai, perdoa- lhes! Eles não sabem o que fazem! (Lc 23,34). São, na verdade, grandes
pecadores, mas não sabem avaliar a gravidade de seu pecado. Por isso, Pai,
perdoa-lhes! Crucificaram-me, mas não sabem a quem crucificaram, porque, se
soubessem, não teriam crucificado o Senhor da glória
(1Cor 2,8). Por isso, Pai, perdoa-lhes! Julgaram-me um transgressor da
lei, um usurpador da divindade, um sedutor do povo. Ocultei-lhes a minha face,
não reconheceram a minha majestade. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem
o que fazem!
Por conseguinte, se o homem quer amar-se a si mesmo com amor autêntico,
não se deixa corromper por nenhum prazer da carne. Para não sucumbir a essa
concupiscência da carne, dirija todo o seu afeto à admirável humanidade do
Senhor. Para encontrar mais perfeito e suave repouso nas delícias da caridade
fraterna, abrace também com verdadeiro amor os seus inimigos.
Mas, para que esse fogo divino não arrefeça diante das injúrias,
contemple sem cessar, com os olhos do coração, a serena paciência de seu amado
Senhor e Salvador.
Reflexão pessoal
A prova mais extrema do amor de Cristo é manifestada no mistério da sua
paixão.
O que motiva Jesus a passar pela paixão, por todo o sofrimento da cruz?
Essencialmente dois factores: a fidelidade à vontade do Pai e o amor
que nutria pelo ser humano.
Neste sentido a Paixão de Cristo tem um sentido redentor, para trazer a
vida em plenitude ao ser humano e abrir-lhe as portas da salvação.
Em todo o caminho da Paixão não há uma única palavra de amargura… as
suas palavras são sobretudo de misericórdia e perdão.
Para nós cristãos o exemplo de Cristo deve inspirar o nosso caminho e a
relação com todo o ser humano, relações marcadas pelo olhar de misericórdia e
compaixão.
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